Nunca mais consegui aproximar-me daquela cómoda da mesma maneira. Ainda hoje, quando vou a casa dos meus pais, evito colocar o telemóvel a carregar junto àquela tomada, debaixo da dita cómoda. Recordo os gritos, o choro dos quatro, “não te admito que fales assim à tua mãe, ouviste? Eu não te admito, João”, disse o meu pai enquanto lhe pressionava o pescoço para debaixo da cómoda. Não sei que idade tinha, mas julgo que passei a ter muitos mais anos nesse dia. Nunca mais voltei a ver o meu pai assim. Nunca mais voltei a sentir-me tão assustado. E nunca consegui suprimir a violência entre a minha mãe e o meu irmão. O filho mais novo é sempre o privilegiado, aquele a quem deixam pão no caminho. Um dia gostava de resolver o meu irmão. Um dia gostava de tirar a dor à minha mãe.